Em 1913, ao elaborar um modelo de átomo
para o Hidrogênio que permitisse justificar os resultados
experimentais obtidos para os espectros de emissão desse
elemento, Neils Bohr sugeriu que o elétron só pode
ocupar órbitas quantizadas, isto é, órbitas
cujo raio r respeitem o postulado
(1)
onde o produto m.v.r corresponde
ao momento angular do elétron e h é
a constante de Planck.
Mas em 1924, Louis De Broglie propôs a existência de
ondas de matéria, ou seja, postulou que uma partícula
de matéria como um elétron, por exemplo, tem uma onda
associada ao seu movimento, tal que
(2)
onde
é o comprimento de onda de De Broglie de uma onda de matéria
associada ao movimento de uma partícula material que tem
momento linear p=m.v. A confirmação
experimental do comportamento ondulatório dos elétrons
foi realizada em 1927 por Davisson e Germer (USA) e G. P. Thomson
(Escócia).
Como unir esses dois conceitos e elaborar um novo modelo atômico?
O elétron-onda pode ocupar uma órbita de raio específico
e respeitar a relação da equação 1 se
seu movimento for representado por uma onda
estacionária.
Para entender essa ideia, podemos fazer uma analogia com as ondas
estacionárias que aparecem em cordas vibrantes, como as de
um violão, veja a figura 1.
Uma corda fixa nas extremidades só pode vibrar em frequências
múltiplas inteiras da frequência fundamental, já
que nas extremidades da corda só existem nós. Nessas
frequências, podemos observar ondas estacionárias,
tais como as da figura 1. Podemos dizer que as frequências
de vibração da corda são quantizadas.
Figura 1: Onda estacionária numa corda fixa nas extremidades.
Fonte: Cavalcante, 2010.
Veja também a animação:
Porém, no caso do elétron que ocupa uma órbita
atômica, a onda estacionária deve estender-se num círculo
ao redor do núcleo. Da mesma maneira, podemos considerar:
no caso de ondas numa corda presa nas extremidades, as órbitas
possíveis para o elétron-onda são aquelas para
as quais o comprimento de onda do elétron ajusta-se ao perímetro
da órbita, formando ondas estacionárias, tais como
as da figura 2.
Figura 2: Ondas estacionárias dos elétrons
nas três primeiras órbitas de um átomo de hidrogênio.
Fonte: GASPAR, 2003.
Para que a onda associada ao movimento do elétron
possa caber na circunferência correspondente à órbita
quantizada, o perímetro da órbita de raio r deve conter
um número inteiro de comprimentos de onda de De Broglie,
ou
(3)
ou
(4)
Mas p.r =m.v.r é o momento
angular do elétron considerado como partícula, ou
seja,
(5)
e a interpretação ondulatória
conduz naturalmente ao postulado de Bohr, pois a equação
5 é idêntica à equação 1.
Veja a animação:
As posições ocupadas pelo elétron
continuam quantizadas pelo número inteiro n,
como no modelo de Bohr, porém agora com uma justificativa
física associada ao comportamento ondulatório do elétron.
Dessa forma, é possível justificar os fenômenos
discretos que caracterizavam o modelo de Bohr, tal como as transições
do elétron entre duas órbitas quantizadas.
O resultado da descrição de De Broglie de um elétron
na órbita de Bohr é ainda reforçada pelo Princípio
da Incerteza de Heisenberg, já que a posição
de um elétron e a orientação do vetor momento
linear p não podem mais ser especificados
com precisão: uma onda estende-se através de uma região
do espaço! Não é possível saber exatamente
onde o elétron está num dado instante. Há necessidade
de uma descrição mais detalhada do elétron
ao ocupar a órbita do átomo. Surge a Mecânica
Quântica: uma nova descrição do comportamento
das partículas.
1.1 A descrição
matemática das ondas de matéria: Schrödinger
e a função de onda do elétron
A natureza dual da matéria pode ser expressa
matematicamente por meio de uma equação de onda. Erwin
Schröedinger, em 1926, desenvolveu a Mecânica Quântica,
cujo resultado principal é a equação que descreve
o elétron por uma função de onda
ocupando as órbitas estacionárias. A frequência
e o comprimento de onda das ondas de elétrons estão
relacionados com a energia e o momento linear dos elétrons.
Dessa forma, Schrödinger conseguiu calcular os níveis
de energia do átomo de Hidrogênio e os resultados são
os mesmos previstos por Bohr, e que, por sua vez, coincidem com
os resultados experimentais.
A equação de onda que representa ondas estacionárias
de comprimento de onda
associadas a partículas de massa m confinadas numa região
unidimensional na qual existe um potencial V(x),
tal qual um elétron confinado numa órbita atômica,
é dada por:
(6)
onde (x)
é a amplitude da onda associada ao movimento do elétron
com massa m e energia E, e h
cortado representa h/2p.
Uma situação análoga ao elétron ligado
ao núcleo, isto é, um elétron confinado a uma
órbita devido a um potencial elétrico de atração,
é o caso de uma partícula confinada em uma caixa de
largura L (classicamente, a partícula colide
com a parede e reflete sucessivas vezes). Nesse caso, a caixa é
equivalente a um poço de potencial, ou seja, um potencial
que tende a valores infinitos nas paredes x=0 e
x=L. As funções de onda
estacionárias que descrevem o movimento do elétron
na órbita são equivalentes àquelas que produzem
nós nas paredes da caixa, tal como mostra a figura 3.
Para localizar a partícula numa dada posição
x dentro da caixa, precisamos encontrar as funções
de ondas estacionárias que descrevem o movimento da partícula.
Obviamente, a partícula não pode estar localizada
no exterior da caixa, o que significa que a função
de onda toma o valor zero nessa região, isto é,
(7)
e isso restringe as funções de onda àquelas
que têm
(8)
Para que uma mesma partícula tenha comprimentos
de onda diferentes, associados ao seu movimento, deve ter energias
diferentes. O menor valor de energia é obtido substituindo
n por 1 e o estado da partícula correspondente
a este valor de n é conhecido como estado fundamental. O
primeiro estado excitado está associado com n = 2
e, assim, sucessivamente. Ou seja, os comprimentos de onda e as
energias permissíveis são discretos e esta é
a razão pela qual, na mecânica quântica, uma
partícula confinada, assim como o elétron em órbitas
atômicas, só pode ter certas energias!
A figura 4 mostra as três primeiras funções
de onda (x)
para a partícula confinada na caixa.
Figura 4: Representação das três
primeiras funções de onda para uma partícula
numa caixa unidimensional.
Max
Born (1928) propôs uma interpretação
estatística das funções de onda associadas
ao movimento de partículas. Born supôs que as ondas
não têm existência real e, assim, as define como
ondas de probabilidade. Assim, o módulo da função
(x)
ao quadrado em um ponto representa a densidade de probabilidade
de encontrar o elétron, ou outra partícula qualquer,
em um ponto x num dado instante t.
(9)
A figura 5 mostra a representação
do resultado de
para as mesmas três funções de onda .
Note que a probabilidade de localizar a partícula numa dada
posição x passa por um valor máximo
nas posições em que a função de onda
apresenta amplitude máxima ou mínima.
Figura 5: Representação da densidade
de probabilidade
para as mesmas três funções de onda
da figura 4.
A visualização tridimensional da
função densidade de probabilidade
para um elétron numa órbita atômica pode ser
feita por meio da distribuição espacial de pontos:
a maior densidade de pontos representa a maior probabilidade de
localizar o elétron na órbita. Na figura 6, podemos
ver esta representação de
para o elétron do átomo de hidrogênio em sua
órbita fundamental.
Mas a representação mais utilizada
de
para o elétron numa órbita é visualizada como
uma superfície no espaço. Por convenção,
a superfície é escolhida de modo que a chance de se
encontrar o elétron na região dentro da superfície
é de 90%. Nesta representação, o estado fundamental
é uma esfera e essa região recebeu o nome de orbital.
A Mecânica Quântica aperfeiçoou a descrição
dos estados permitidos para o elétron dentro do átomo,
introduzindo dois outros números quânticos. Um deles
está associado ao momento angular do elétron, representado
pelas letras s, p, d,
f etc. ou pelos números l
= 0, 1, 2, 3 etc. Os subníveis de um átomo de hidrogênio
corresponderiam, então, aos estados 1s,
2s, 2p, 3s, 3p,
3d, 4s, 4p, 4d,
4f etc. e a função densidade de probabilidade
possui resultados diferentes para os subníveis. A representação
dos subníveis para o elétron do átomo de hidrogênio
pode ser vista na figura 7.
Figura 7: Representação visual dos
estados estacionários do elétron em um átomo
de hidrogênio.
Fonte: Pessoa Júnior, 2010.
Vale ressaltar que essa é uma representação
pictórica dos orbitais, decorrente de nossa necessidade de
visualização do interior do átomo. O grande
mérito da Mecânica Quântica consiste em descrever
o comportamento dos componentes do átomo através de
equações que não só nos permitem explicar
os resultados experimentais, mas também prever o comportamento
de um conjunto de átomos, seja em estruturas cristalinas,
seja em moléculas complexas, possibilitando também
a compreensão de fenômenos químicos e biológicos.
Dessa maneira, podemos dizer que a Mecânica Quântica
é a teoria que mais obteve sucesso na física, proporcionando
uma melhor compreensão da natureza e descobertas tecnológicas
que estão na base de muitos equipamentos que não dispensamos
no nosso cotidiano.
REFERÊNCIAS
CAVALCANTE, M. A.; TAVOLARO, C.
R. C. Ondulatória e acústica através de experimentos
assistidos por computador. In: EN C O N T R O NA C I O N A L D
E P E S Q U I S A E M EN S I N O D E FÍ S I C A. 9.
Disponível em: <http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/epef/ix/atas/posteres/po51-39.pdf>.
Acesso em: 03 mar. 2010.
GASPAR, A. Física: Eletromagnetismo e física
moderna. São Paulo: Ática, 2003.